CENTRO DE
ENSINO Nº 02 DO GUARÁ – GG
2ª Série do Ensino Médio- FILOSOFIA – 1º
Bimestre.
Professor Alex
Almeida
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A ALEGORIA DA CAVERNA
Sócrates – Agora leva em conta nossa
natureza, segundo tenha ou não recebido educação e compara-a com o seguinte
quadro: imagina uma caverna subterrânea, com uma entrada ampla, aberta à luz em
toda a sua extensão. Lá dentro, alguns homens se encontram, desde a infância,
amarrados pelas pernas e pelo pescoço de tal modo que permanecem imóveis e
podem olhar tão-somente para frente, pois as amarras não lhes permitem voltar a
cabeça. Num plano superior, atrás deles
arde um fogo a certa distância, e entre o fogo e os prisioneiros eleva-se um
caminho ao longo do qual imagina que tenha sido construído um pequeno muro
semelhante aos tabiques que os titeriteiros interpõem entre si e o público a
fim de, por cima deles, fazer movimentar as marionetes.
Glauco – Posso imaginar a cena.
Sócrates –
Imagina também que passam ao longo desse pequeno muro carregando uma enorme
variedade de objetos cuja altura ultrapassa a do muro: estátuas e figuras de
animais feitas de pedra, madeira e outros materiais diversos. Entre esses
carregadores há, naturalmente os que conversam entre si e os que caminham silenciosamente.
Glauco – trata-se de um quadro estranho
e de estranhos prisioneiros.
Sócrates – Eles são como nós. Acreditas
que tais homens tenham visto de si mesmos e de seus companheiros outras coisas
que não somente as sombras projetadas pelo fogo pela parede da caverna que se
encontra diante deles?
Glauco – Hora, como seria possível se
foram obrigados a manter imóvel a cabeça durante toda a vida?
Sócrates – E quanto aos objetos
transportados ao longo do muro, não viram apenas a suas sombras?
Glauco – Certamente.
Sócrates – Mas, nestas condições, se
pudessem conversar uns com os outros, não supões que julgariam estar se
referindo a objetos reais ao mencionar o que vêem diante de si?
Glauco – Necessariamente.
Sócrates – Supões também que houvesse
na prisão um eco vindo da frente. Na tua opinião, cada vez que falasse um dos
que passavam atrás deles, não acreditariam os prisioneiros que quem falava eram
as sombras diante deles?
Glauco – Sem a menor dúvida.
Sócrates – Esses homens, absolutamente,
não pensariam que a verdadeira realidade pudesse ser outra coisa senão a sombra
dos objetos fabricados?
Glauco – Sim, forçosamente.
Sócrates – Imagina, agora, que
sentiriam se fossem libertados de seus grilhões e curados de sua ignorância, na
hipótese de que lhes acontecesse, muito naturalmente, o seguinte: se um deles
fosse libertado e subitamente forçado a se levantar, virar o pescoço, caminhar
e enxergar a luz sentiria dores intensas ao fazer todos esses movimentos e, com
a vista ofuscada, seria incapaz de enxergar os objetos cujas as sombras ele via
antes. Que responderia ele, na tua opinião, se lhe fosse dito que o que via até
então eram apenas sombras inanes e que, agora achando-se mais próximo da
realidade, com os olhos voltados para os objetos mais reais, possuída visão
mais acurada? Quando, enfim ao ser lhe mostrado com cada um dos objetos que
lhe passassem, fosse ele obrigado,
diante de tantas perguntas a definir o que eram, não supões que ele ficaria
embaraçado e consideraria que o que contemplava antes era mais verdadeiro que
os objetos lhe eram mostrados agora?
Glauco – Muito mais verdadeiro.
Sócrates – E
se ele fosse obrigado a fitar a própria luz, não acreditas que lhe doeriam os
olhos e que procuraria desviar o olhar, voltando-se para os objetos que podia
observar, considerando-os, então realmente mais distintos do que lhe são
mostrados?
Glauco – Sim.
Sócrates –
Mas, se o afastassem dali à força,
obrigando-o a galgar a subida áspera e abrupta e não o deixassem antes que
tivesse sido arrastado à presença do próprio sol, não crês que ele sofreria e
se indignaria de ter sido arrastado desse modo? Não crês que, uma vez diante da
luz do dia, seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a não poder
discernir nenhum dos seres considerados agora verdadeiros?
Glauco – Não poderia discernir-los,
pelo menos num primeiro momento.
Sócrates – Penso que ele precisaria
habituar-se, a fim de estar em condições de ver as coisas do alto de onde se
encontrava. O que veria mais facilmente seria, em primeiro lugar, as sombras;
em seguida, as imagens dos homens e de outros seres refletidas na água e,
finalmente, contemplaria mais facilmente, durante a noite, os objetos celestes
e o próprio céu, ao elevar os olhos em direção à luz das estrelas e da luz –
vendo-o mais claramente do que ao sol ou à sua luz durante o dia.
Glauco – sem dúvida.
Sócrates – Por fim, acredito, poderia
enxergar o próprio sol – não apenas a sua imagem refletida na água ou em outro
lugar -, em seu lugar, podendo vê-lo e contempla-lo tal como é.
Glauco – Necessariamente.
Sócrates –
Após, passaria a tirar conclusões sobre o sol, compreendendo que ele produz as
estações e os anos; que governa o mundo das coisas visíveis e se constitui, de certo modo, na causa de
tudo o que ele e seus companheiros viam
dentro da caverna.
Glauco – É evidente que chegaria a
estas conclusões.
Sócrates –
Mas, lembrando-se de sua habitação anterior, da ciência da caverna que ali se
cultiva e de seus companheiros de cativeiro, não ficaria feliz por haver mudado
e não lamentaria por seus companheiros?
Glauco – Com efeito.
Sócrates – E se entre os prisioneiros
houvesse o costume de conferir honras, louvores e recompensas àqueles que
fossem capazes de prever eventos futuros – uma vez que distinguiriam com mais
precisão as sombras que passavam e observariam melhor quais dentre elas vinham
antes, depois ou ao mesmo tempo -, não
crês que invejariam aquele que as
tivesse obtido? Crês que sentiria ciúmes dos companheiros que, por esse meio,
alcançaram a glória e o poder, e que não diria, endossando a opinião de Homero,
que é melhor “lavrar a terra para um camponês pobre” do que partilhar as
opiniões de seus companheiros e viver semelhante vida?
Glauco – Sim, na minha opinião ele
preferiria sustentar essa posição a voltar a viver como antes.
Sócrates – Reflete sobre o seguinte: se
esse homem retornasse à caverna e fosse colocado no mesmo lugar de onde saíra,
não crês que seus olhos ficariam obscurecidos pelas trevas com os de quem foge
bruscamente da luz do sol?
Glauco – Sim, certamente.
Sócrates – E se lhe fosse necessário
reformular seu juízo sobre as sombras e competir com aqueles que lá
permaneceram prisioneiros, no momento em que sua visão estivesse obliterada
pelas trevas e antes que seus olhos a elas se adaptassem – e esta adaptação
demandaria um certo tempo -, não acreditas que esse homem se prestaria à
jocosidade? Não lhe diriam que, tendo saído da caverna, a ela retornou cego e
que não valeria a pena fazer semelhante experiência? E não matariam, se
pudessem, a quem tentasse liberta-los e conduz-los para a luz?
Glauco – Certamente.
O texto de
Platão opõe dois mundos: o visível/sensível e o invisível/inteligível. O
primeiro, a caverna, o interior da caverna, é representado pelas sombras que os
homens vêem ao fundo, projetadas na parede. O segundo, fora da caverna, é o mundo das sombras, o
mundo visível é habitado por cópias imperfeitas – as sombras – dos objetos
reais – cuja sombra é projetada pela luz na parede da caverna.
Enquanto
submetidos à realidade da caverna, os homens acreditavam que só esta realidade
exista, ou melhor, que o que vêem
projetado no fundo da caverna é a realidade. Ali vêem sombras de objetos que
são carregados por um caminho atrás deles. Vêem sobras e ouvem vozes, que
atribuem não aos homens que carregam os objetos, mas às próprias sombras.
Esta é a
primeira parte do texto – primeiro movimento da exposição. Em seguida, Platão,
através de Sócrates, nos propõe uma hipótese. Na possibilidade de algum dentre
os homens sair da caverna, o que lhe sucederá? Primeiro poderá ter a visão
ofuscada pela claridade, pela luz que vem da boca da caverna. É necessário,
pois, que ele se acostume com a luz e passe com certo vagar da sombra para a
claridade. Na medida em que vai abandonando a caverna, vai discernindo entre sombras
e objetos, entre objetos terrestres e celestes, por fim poderá contemplar a
própria luz, o próprio sol – razão de ser
de todas as coisas.
Esse
procedimento, a que se tem denominado dialética ascendente, é uma das fases do
conhecimento para Platão.
Dentro da
segunda parte, ocorre uma segunda hipótese – ou terceira parte: o retorno deste homem que saiu da caverna e a ela
volta. Do mesmo modo que ele teria seus olhos ofuscados se saísse abruptamente
da caverna em direção à luz, ficaria momentaneamente cego se saísse da luz a
caminho da caverna, para o seu interior. Seria incapaz de ver, distinguir as
sombras e tornar-se-ia presa do ridículo.
Nesta
alegoria aparecem muitas metáforas, por assim dizer, relacionadas com o
processo de conhecimento. Em primeiro lugar, a dicotomia ou oposição entre sensível e inteligível, sombra e luz. Nesse caso, o conhecimento aparece como
tendo duas fases: sensível e inteligível; na primeira, os homens conhecem as coisas através dos
sentidos; na segunda, pela razão. Por outro lado, opõe-se, também aquele que
sabe o mesmo que os outros – o senso comum – àquele que sabe, por assim dizer,
a essência das coisas – o conhecimento filosófico. O conhecimento pelos
sentidos está associado ao corpo e pela razão, à alma. O verdadeiro
conhecimento, portanto é dado pela passagem do conhecimento sensível para o
inteligível.
Mas Platão
lembra-nos que essa passagem não se faz de uma hora para a outra, de uma só
vez. É preciso “acostumar-se”. É um
processo lento de subida – ascese –
das sombras à realidade (verdadeira). Segundo Jaeger,[1] o
conhecimento assim entendido é a passagem do temporal ao eterno – das sombras à
luz. A opção pela passagem é difícil, aparecendo expressões que indicam essa
dificuldade: “forçados a se levantar” ,
“afastado à força”, “abrigado a subir”,
“obrigado a fitar a própria luz”. A interpretação mais adequada parece ser
a da dificuldade que tal processo –
conhecimento – oferece. Há quem interprete como imposição, mas não aparece
ao acaso, haja vista que a saída da caverna para a luz aparece como libertação: “o que sentiriam se fossem libertados”, “desde a infância, amarrados
pelas pernas e pescoço”.
O retorno à
caverna e agora as dificuldade encontradas para se adaptar à nova realidade –
das sombras – expõem o homem que viu a luz e os objetos verdadeiros ao ridículo
– “ não acreditas que esse homem se
prestaria à jocosidade?” O ridículo
a que – segundo Platão, na visão de Jaeger – se expõe o filósofo que quer
tratar, tendo chegado ao ponto mais alto do conhecimento – o próprio sol
-, “das coisas mundanas”. Como o filósofo pode cuidar das coisas
mundanas? “Os seus olhos não se habituam
mais às trevas”. O filósofo sente compaixão,
pena dos outros que habitam o fundo da caverna e pensam que vêem a realidade
quando vêem as sombras.
Aqui caberia
justamente destacar essa duplicidade de sentimentos: os homens do fundo da
caverna riem do filósofo que a ela retorna e é incapaz de ver as sombras,
ofuscado que está pelas trevas; o filósofo penaliza-se ao ver os seus companheiros entregues à
ilusão de acreditarem estar vendo a realidade quando vêem apenas sombras.
Penalizado
com a situação dos companheiros, o filósofo quer tira-los daquela prisão e
leva-los para fora da caverna. Entretanto, o retorno à caverna faz do filósofo alguém “incapaz de
conduzir” os outros, ou melhor, ele se apresenta cego – ofuscado pela passagem
brusca da luz para as trevas; o filósofo
é tomado, então por “tolo” e é avisado de que “não valeria a pena sair da
caverna” se a ele retornasse cego. Indignados, irritados com a insistência do
filósofo para que saíssem da caverna, os homens que ali estão são capazes de
mata-lo para preservar a “visão” – eles vêem as sombras, ele está cego!
Essa passagem
pode ter dupla interpretação. A mais evidente seria a exposição do
“ressentimento” de Platão em relação à democracia e aos atenienses que
participaram do julgamento e da morte de Sócrates. Como homem que viu a luz, o
próprio Sol – isto é, o Bem Supremo -, Sócrates deseja que os outros também
abandonem o fundo da caverna – a impressão de sabedoria na qual estão
mergulhado – e através de seu método – ironia e maiêutica – vai destruindo as
concepções estabelecidas para em seguida ajudar os homens a reconstruírem a
verdadeira sabedoria. Isto desagradara políticos, comerciantes e artesãos. Denunciado,
Sócrates é julgado e condenado a beber cicuta: “ e não matariam, se pudessem, a
quem tentasse liberta-los e conduzi-los à luz?”
Outra
interpretação possível é aquela que
apresenta a “ incomunicabilidade” a que estão sujeitos os filósofos e os homens
comuns. Uns se apegam ao conhecimento oferecido
pelo senso comum, pela segurança e felicidade que a vida prática lhes oferece; outros já não conseguem
compreender porque os homens comuns não desejam o conhecimento verdadeiro e
como são capazes de viver sem esse conhecimento. Essa incomunicabilidade é
responsável pela distância entre teoria e prática, entre senso comum e
conhecimento científico e filosófico.
Mas por que a
forma alegórica de exposição? Segundo Cunha, “a alegoria é a tradução do simbólico para o conceitual.” “O simbólico”,
ainda citando Cunha, “é a tradução dos acontecimentos para o mitológico – é
a narrativa”. Teríamos, então, o seguinte esquema:
Acontecimento
→
mito → alegoria → conceito
E “as alegorias são construções intelectuais
laboriosas em que intencionalmente se fala de uma coisa subentendendo outra
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