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sexta-feira, 15 de março de 2013

A Alegoria Da Caverna

CENTRO DE ENSINO Nº 02 DO GUARÁ – GG
2ª Série do Ensino Médio- FILOSOFIA – 1º Bimestre.
Professor Alex Almeida


A ALEGORIA DA CAVERNA

Sócrates – Agora leva em conta nossa natureza, segundo tenha ou não recebido educação e compara-a com o seguinte quadro: imagina uma caverna subterrânea, com uma entrada ampla, aberta à luz em toda a sua extensão. Lá dentro, alguns homens se encontram, desde a infância, amarrados pelas pernas e pelo pescoço de tal modo que permanecem imóveis e podem olhar tão-somente para frente, pois as amarras não lhes permitem voltar a cabeça.  Num plano superior, atrás deles arde um fogo a certa distância, e entre o fogo e os prisioneiros eleva-se um caminho ao longo do qual imagina que tenha sido construído um pequeno muro semelhante aos tabiques que os titeriteiros interpõem entre si e o público a fim de, por cima deles, fazer movimentar as marionetes.

Glauco – Posso imaginar a cena.

Sócrates – Imagina também que passam ao longo desse pequeno muro carregando uma enorme variedade de objetos cuja altura ultrapassa a do muro: estátuas e figuras de animais feitas de pedra, madeira e outros materiais diversos. Entre esses carregadores há, naturalmente os que conversam entre si e os  que caminham silenciosamente.

Glauco – trata-se de um quadro estranho e de estranhos prisioneiros.

Sócrates – Eles são como nós. Acreditas que tais homens tenham visto de si mesmos e de seus companheiros outras coisas que não somente as sombras projetadas pelo fogo pela parede da caverna que se encontra diante deles?

Glauco – Hora, como seria possível se foram obrigados a manter imóvel a cabeça durante toda a vida?

Sócrates – E quanto aos objetos transportados ao longo do muro, não viram apenas a suas sombras?

Glauco – Certamente.

Sócrates – Mas, nestas condições, se pudessem conversar uns com os outros, não supões que julgariam estar se referindo a objetos reais ao mencionar o que vêem diante de si?

Glauco – Necessariamente.

Sócrates – Supões também que houvesse na prisão um eco vindo da frente. Na tua opinião, cada vez que falasse um dos que passavam atrás deles, não acreditariam os prisioneiros que quem falava eram as sombras diante deles?

Glauco – Sem a menor dúvida.

Sócrates – Esses homens, absolutamente, não pensariam que a verdadeira realidade pudesse ser outra coisa senão a sombra dos objetos fabricados?

Glauco – Sim, forçosamente.

Sócrates – Imagina, agora, que sentiriam se fossem libertados de seus grilhões e curados de sua ignorância, na hipótese de que lhes acontecesse, muito naturalmente, o seguinte: se um deles fosse libertado e subitamente forçado a se levantar, virar o pescoço, caminhar e enxergar a luz sentiria dores intensas ao fazer todos esses movimentos e, com a vista ofuscada, seria incapaz de enxergar os objetos cujas as sombras ele via antes. Que responderia ele, na tua opinião, se lhe fosse dito que o que via até então eram apenas sombras inanes e que, agora achando-se mais próximo da realidade, com os olhos voltados para os objetos mais reais, possuída visão mais acurada? Quando,  enfim ao  ser lhe mostrado com cada um dos objetos que lhe passassem,  fosse ele obrigado, diante de tantas perguntas a definir o que eram, não supões que ele ficaria embaraçado e consideraria que o que contemplava antes era mais verdadeiro que os objetos lhe eram mostrados agora?

Glauco – Muito mais verdadeiro.

Sócrates – E se ele fosse obrigado a fitar a própria luz, não acreditas que lhe doeriam os olhos e que procuraria desviar o olhar, voltando-se para os objetos que podia observar, considerando-os, então realmente mais distintos do que lhe são mostrados?

Glauco – Sim.

Sócrates – Mas,  se o afastassem dali à força, obrigando-o a galgar a subida áspera e abrupta e não o deixassem antes que tivesse sido arrastado à presença do próprio sol, não crês que ele sofreria e se indignaria de ter sido arrastado desse modo? Não crês que, uma vez diante da luz do dia, seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a não poder discernir nenhum dos seres considerados agora verdadeiros?

Glauco – Não poderia discernir-los, pelo menos num primeiro momento.

Sócrates – Penso que ele precisaria habituar-se, a fim de estar em condições de ver as coisas do alto de onde se encontrava. O que veria mais facilmente seria, em primeiro lugar, as sombras; em seguida, as imagens dos homens e de outros seres refletidas na água e, finalmente, contemplaria mais facilmente, durante a noite, os objetos celestes e o próprio céu, ao elevar os olhos em direção à luz das estrelas e da luz – vendo-o mais claramente do que ao sol ou à sua luz durante o dia.

Glauco – sem dúvida.

Sócrates – Por fim, acredito, poderia enxergar o próprio sol – não apenas a sua imagem refletida na água ou em outro lugar -, em seu lugar, podendo vê-lo e contempla-lo tal como é.

Glauco – Necessariamente.

Sócrates – Após, passaria a tirar conclusões sobre o sol, compreendendo que ele produz as estações e os anos; que governa o mundo das coisas visíveis  e se constitui, de certo modo, na causa de tudo o que ele  e seus companheiros viam dentro da caverna.

Glauco – É evidente que chegaria a estas conclusões.

Sócrates – Mas, lembrando-se de sua habitação anterior, da ciência da caverna que ali se cultiva e de seus companheiros de cativeiro, não ficaria feliz por haver mudado e não lamentaria por seus companheiros?

Glauco – Com efeito.

Sócrates – E se entre os prisioneiros houvesse o costume de conferir honras, louvores e recompensas àqueles que fossem capazes de prever eventos futuros – uma vez que distinguiriam com mais precisão as sombras que passavam e observariam melhor quais dentre elas vinham antes, depois ou ao mesmo tempo -,  não crês  que invejariam aquele que as tivesse obtido? Crês que sentiria ciúmes dos companheiros que, por esse meio, alcançaram a glória e o poder, e que não diria, endossando a opinião de Homero, que é melhor “lavrar a terra para um camponês pobre” do que partilhar as opiniões de seus companheiros e viver semelhante vida?

Glauco – Sim, na minha opinião ele preferiria sustentar essa posição a voltar a viver como antes.

Sócrates – Reflete sobre o seguinte: se esse homem retornasse à caverna e fosse colocado no mesmo lugar de onde saíra, não crês que seus olhos ficariam obscurecidos pelas trevas com os de quem foge bruscamente da luz do sol?

Glauco – Sim, certamente.

Sócrates – E se lhe fosse necessário reformular seu juízo sobre as sombras e competir com aqueles que lá permaneceram prisioneiros, no momento em que sua visão estivesse obliterada pelas trevas e antes que seus olhos a elas se adaptassem – e esta adaptação demandaria um certo tempo -, não acreditas que esse homem se prestaria à jocosidade? Não lhe diriam que, tendo saído da caverna, a ela retornou cego e que não valeria a pena fazer semelhante experiência? E não matariam, se pudessem, a quem tentasse liberta-los e conduz-los para a luz?

Glauco – Certamente.

O texto de Platão opõe dois mundos: o visível/sensível e o invisível/inteligível. O primeiro, a caverna, o interior da caverna, é representado pelas sombras que os homens vêem ao fundo, projetadas na parede. O segundo,  fora da caverna, é o mundo das sombras, o mundo visível é habitado por cópias imperfeitas – as sombras – dos objetos reais – cuja sombra é projetada pela luz na parede da caverna.
Enquanto submetidos à realidade da caverna, os homens acreditavam que só esta realidade exista, ou melhor,  que o que vêem projetado no fundo da caverna é a realidade. Ali vêem sombras de objetos que são carregados por um caminho atrás deles. Vêem sobras e ouvem vozes, que atribuem não aos homens que carregam os objetos, mas às próprias sombras.
Esta é a primeira parte do texto – primeiro movimento da exposição. Em seguida, Platão, através de Sócrates, nos propõe uma hipótese. Na possibilidade de algum dentre os homens sair da caverna, o que lhe sucederá? Primeiro poderá ter a visão ofuscada pela claridade, pela luz que vem da boca da caverna. É necessário, pois, que ele se acostume com a luz e passe com certo vagar da sombra para a claridade. Na medida em que vai abandonando a caverna, vai discernindo entre sombras e objetos, entre objetos terrestres e celestes, por fim poderá contemplar a própria luz, o próprio sol – razão de ser de todas as coisas.
Esse procedimento, a que se tem denominado dialética ascendente, é uma das fases do conhecimento para Platão.
Dentro da segunda parte, ocorre uma segunda hipótese – ou terceira parte: o retorno  deste homem que saiu da caverna e a ela volta. Do mesmo modo que ele teria seus olhos ofuscados se saísse abruptamente da caverna em direção à luz, ficaria momentaneamente cego se saísse da luz a caminho da caverna, para o seu interior. Seria incapaz de ver, distinguir as sombras e tornar-se-ia presa do ridículo.
Nesta alegoria aparecem muitas metáforas, por assim dizer, relacionadas com o processo de conhecimento. Em primeiro lugar, a dicotomia ou oposição entre sensível e inteligível, sombra e luz. Nesse caso, o conhecimento aparece como tendo duas fases: sensível e inteligível; na primeira,  os homens conhecem as coisas através dos sentidos; na segunda, pela razão. Por outro lado, opõe-se, também aquele que sabe o mesmo que os outros – o senso comum – àquele que sabe, por assim dizer, a essência das coisas – o conhecimento filosófico. O conhecimento pelos sentidos está associado ao corpo e pela razão, à alma.  O verdadeiro conhecimento, portanto é dado pela passagem do conhecimento sensível para o inteligível.
Mas Platão lembra-nos que essa passagem não se faz de uma hora para a outra, de uma só vez. É preciso “acostumar-se”. É um processo lento de subida – ascese – das sombras à realidade (verdadeira). Segundo Jaeger,[1] o conhecimento assim entendido é a passagem do temporal ao eterno – das sombras à luz. A opção pela passagem é difícil, aparecendo expressões que indicam essa dificuldade: “forçados a se levantar” , “afastado à força”, “abrigado a subir”, “obrigado a fitar a própria luz”. A interpretação mais adequada parece ser a da dificuldade que tal processo – conhecimento – oferece. Há quem interprete como imposição,  mas não aparece ao acaso, haja vista que a saída da caverna para a luz aparece como libertação: “o que sentiriam se fossem libertados”, “desde a infância, amarrados pelas pernas e pescoço”.
O retorno à caverna e agora as dificuldade encontradas para se adaptar à nova realidade – das sombras – expõem o homem que viu a luz e os objetos verdadeiros ao ridículo – “ não acreditas que esse homem se prestaria à jocosidade?”  O ridículo a que – segundo Platão, na visão de Jaeger – se expõe o filósofo que quer tratar, tendo chegado ao ponto mais alto do conhecimento – o próprio sol -,  “das coisas mundanas”.  Como o filósofo pode cuidar das coisas mundanas? “Os seus olhos não se habituam mais às trevas”. O filósofo sente compaixão, pena dos outros que habitam o fundo da caverna e pensam que vêem a realidade quando vêem as sombras.
Aqui caberia justamente destacar essa duplicidade de sentimentos: os homens do fundo da caverna riem do filósofo que a ela retorna e é incapaz de ver as sombras, ofuscado que está pelas trevas; o filósofo penaliza-se  ao ver os seus companheiros entregues à ilusão de acreditarem estar vendo a realidade quando vêem apenas sombras.
Penalizado com a situação dos companheiros, o filósofo quer tira-los daquela prisão e leva-los para fora da caverna. Entretanto, o retorno  à caverna faz do filósofo alguém “incapaz de conduzir” os outros, ou melhor, ele se apresenta cego – ofuscado pela passagem brusca da luz para as trevas;  o filósofo é tomado, então por “tolo” e é avisado de que “não valeria a pena sair da caverna” se a ele retornasse cego. Indignados, irritados com a insistência do filósofo para que saíssem da caverna, os homens que ali estão são capazes de mata-lo para preservar a “visão” – eles vêem as sombras, ele está cego!
Essa passagem pode ter dupla interpretação. A mais evidente seria a exposição do “ressentimento” de Platão em relação à democracia e aos atenienses que participaram do julgamento e da morte de Sócrates. Como homem que viu a luz, o próprio Sol – isto é, o Bem Supremo -, Sócrates deseja que os outros também abandonem o fundo da caverna – a impressão de sabedoria na qual estão mergulhado – e através de seu método – ironia e maiêutica – vai destruindo as concepções estabelecidas para em seguida ajudar os homens a reconstruírem a verdadeira sabedoria. Isto desagradara políticos, comerciantes e artesãos. Denunciado, Sócrates é julgado e condenado a beber cicuta: “ e não matariam, se pudessem, a quem tentasse liberta-los e conduzi-los à luz?”
Outra interpretação  possível é aquela que apresenta a “ incomunicabilidade” a que estão sujeitos os filósofos e os homens comuns. Uns se apegam ao conhecimento oferecido  pelo senso comum, pela segurança e felicidade que a vida prática  lhes oferece; outros já não conseguem compreender porque os homens comuns não desejam o conhecimento verdadeiro e como são capazes de viver sem esse conhecimento. Essa incomunicabilidade é responsável pela distância entre teoria e prática, entre senso comum e conhecimento científico e filosófico.
Mas por que a forma alegórica de exposição? Segundo Cunha, “a alegoria é a tradução do simbólico para o conceitual.” “O simbólico”, ainda citando Cunha, “é a tradução dos acontecimentos para o mitológico – é a narrativa”. Teríamos, então, o seguinte esquema:

Acontecimento   mito alegoria conceito

E “as alegorias são construções intelectuais laboriosas em que intencionalmente se fala de uma coisa subentendendo outra






[1] Vide bibliografia no fim do texto.

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